Existem inúmeros motivos pelos quais a pornografia não consensual acaba caindo na internet. Todos os anos os números de relatos sobre pornografia de vingança (“porn revenge”) cresce vertiginosamente. O termo é usualmente utilizado para caracterizar o ato de um ex-parceiro postar imagens ou vídeos íntimos de uma pessoa com quem possuía algum tipo de laço afetivo em uma tentativa de prejudicar ou assediar.
Contudo, pesquisas recentes sobre o tema realizadas nos Estados Unidos demonstram que a grande maioria das pessoas que exibiram esse tipo de conteúdo na internet o fizeram apenas para mostrar aos amigos, sem intenção de ferir a pessoa na foto ou vídeo. Seja qual for a intenção, as vítimas da pornografia de vingança sofrem danos irreparáveis em suas vidas profissional, pessoal e social.
Segundo Daysia Tolentino, contribuidora da Muckrock (organização americana sem fins lucrativos de assistência):
“Nonconsensual pornography (NCP) is the act of distributing pornographic images of individuals without their consente. Victims report feelings of humiliation, distress, and shame. Because of the nature of the internet, it can be difficult to completely take down victims’ images, and they can be circulated years after their initial posting”.
Em tradução livre: “A pornografia não consensual é o ato de distribuir imagens pornográficas de indivíduos sem o seu consentimento. As vítimas relatam sentimentos de humiliação, angústia e vergonha. Devido à natureza da internet, pode ser difícil remover completamente as imagens das vítimas, que podem continuar a serem divulgadas por muitos anos após a postagem inicial”.
Normalmente, um homem divulga vídeos ou imagens de uma relação sexual com uma mulher para se vingar ou se vangloriar de sua conquista, o que acaba por gerar resultados brutais para a vítima, causando muitas vezes a destruição da sua vida, já que a imagem ou vídeo íntimo fica disponível para milhões de pessoas na internet. O ato possui tamanha relevância para as vítimas que muitas delas acabam se suicidando por não conseguirem superar os traumas causados.
O grande problema é que os arquivos enviados pela internet são imediatamente retransmitidos entre usuários que rapidamente abastecem sites especializados em pornografia no mundo todo, sendo impossível reverter totalmente o dano causado. Ou seja, após o autor da postagem enviar o conteúdo não consentido à rede ele perde completamente o controle da divulgação, mesmo que se arrependa posteriormente do seu próprio ato.
A pornografia de vingança é um problema para pessoas de todas as idades, contudo, os incidentes comumente reportados ocorrem por aqueles que estão no início da vida adulta (entre os vinte e poucos anos de idade). Ainda, os casos relatados de pornografia de vingança aumentaram significantemente a partir de 2015, uma vez que foi a partir daí que os smartphones se popularizaram e as câmeras foram acopladas em quase todos os celulares como um recurso padrão na maioria dos modelos.
O compartilhamento de dados nunca foi tão rápido e fácil, em consequência, houve um grande aumento de pessoas que compartilham imagens íntimas com seus parceiros por meio de serviços de mensagens instantâneas.
Pela gravidade da divulgação desse material, o resultado dos julgamentos nos Tribunais brasileiros tem sido bastante duros, como no caso citado a seguir que ocorreu no Rio Grande do Sul, conforme ementa de julgamento abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICIZAÇÃO DE FOTOS ÍNTIMAS DA DEMANDANTE NA INTERNET PELO EX-NAMORADO. PORNOGRAFIA DE VINGANÇA OU REVENGE PORN. VALOR DA INDENIZAÇÃO MAJORADO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA AO RÉU. MANUTENÇÃO. 1. Publicização, por parte do réu, de vídeo contendo fotografias íntimas da autora em site pornô, sendo a postagem intitulada com o nome e a cidade em que a vítima reside, a fim de explicitar sua identidade. Ameaças, pessoais e virtuais, por parte do demandado, tendo a autora registrado boletim de ocorrência em três situações e requerido medidas protetivas para preservar sua segurança. Valor da indenização, a título de danos morais, majorado para R$ 30.000,00, porquanto se trata de fato gravíssimo – pornografia de vingança ou revenge porn – que atinge homens e mulheres, estas em sua imensa maioria. Tema extremamente sensível à discriminação de gênero e à subjugação que a mulher historicamente sofre da sociedade em geral, por conta dos padrões de comportamento que esta lhe impõe. 2. AJG concedida, pelo Juízo a quo, ao réu, que deve ser mantida. Para que seja concedido o benefício da gratuidade judiciária impõe-se a demonstração da insuficiência financeira para arcar com os ônus processuais. No caso concreto, os documentos acostados demonstram situação financeira compatível com a concessão do benefício da AJG. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70078417276, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Catarina Rita Krieger Martins, Julgado em 27/09/2018)
Destaco aqui uma questão muito relevante: diversos casais realizam esse tipo de ato com o pacto de apagar as imagens depois de visualizá-las em conjunto. Todavia, é importante saber que apagar o arquivo do computador, smartphone ou tablete não significa que o material efetivamente foi deletado. Existem muitos softwares capazes de recuperar arquivos removidos nesses dispositivos.
Como um arquivo pode ser efetivamente eliminado de seu celular ou computador?
Melhor explicando: o armazenamento de dados funciona como um quadro de batalha naval. Por exemplo, um arquivo de power point “arquivo (.pptx)” pode estar gravado na posição B2 enquanto o vídeo pornográfico de nome “123(.mpg)” ficou gravado na posição C6. Ao deletar o vídeo o sistema não apaga o conteúdo, ele apenas retira a ligação da coordenada onde ele está gravado, ou seja, a ligação é perdida mas o dado continua na mesma posição em que estava.
Assim, somente quando novos dados forem gravados sobre a cordenada C6 é que o arquivo será eliminado, antes disso, ele fica apto a ser recuperado por softwares especializados. Logo, alguém que entenda dessa lógica pode utilizar-se de seu conhecimento para praticar ato ilícito e transferir os dados sem consentimento via internet.
Importante destacar o julgamento do Recurso Especial (Resp 1679465/SP) de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que em 13 de março de 2018 julgou um caso de pornografia de vingança e em seu voto afirmou que:
“a pornografia de vingança constitui uma grave lesão aos direitos de personalidade da pessoa exposta indevidamente, além de configurar uma grave forma de violência de gênero que deve ser combatida de forma contundente pelos meios jurídicos disponíveis”.
Por fim, finalmente em setembro de 2018 foi sancionada a Lei 13.718 que acrescentou o artigo 218-C ao Código Penal e tipificou o crime de Pornografia de vingança, nos seguintes termos:
Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia
Artigo 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:
Pena – reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave,
Aumento de pena
§1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntimo de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.
Como se pode perceber, para levar o caso à Justiça a vítima ter que ter em mente que se trata de um processo demorado e muito desgastante e que repercutirá tanto na esfera do Direito Civil (responsabilidade patrimonial e indenizações) quanto na esfera do Direito Criminal (responsabilidade pessoal por ilícito).
É muito recomendado que se contrate um advogado especializado em direito digital para conseguir a punição do responsável, principalmente porque a maior dificuldade do processo é identificar o autor da postagem, o que demanda conhecimentos técnicos específicos do profissional do direito.
Matheus Koboldt – Koboldt Advogados